quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Manuel Guerra ainda

Escrever o Manuel Guerra, dar-lhe espessura e acabamento devido, procurar um registo de verosimilhança que aproxime o leitor do personagem, foi uma tarefa árdua. Antes de começar a escrever torno-me uma coleccionadora de pedaços de coisas, observações do dia a dia, pormenores, gestos, ambientes. É quase como compor um portfolio fotográfico na minha cabeça e, quando está cheio, tenho a necessidade física de me sentar e escrever. Faço-o com rapidez. Um rapidez algo estranha, dizem-me. Depois posso regressar à leitura e eliminar tudo o que fiz, mas há um processo vertiginoso de passar as ideias para o papel. Para construir o Manuel Guerra andei meses a pescar pequenas partes que podiam ser dele até chegar, por fim, a um molde que deu este escritor, um escritor que carrega a dualidade da maldade e da bondade, que pode dar tudo ou nada. Durante os longos meses de escrita do livro, sonhei muitas vezes com o personagem. Fazia parte de mim. Qualquer coisa - das eleições americanas ao lançamento de um novo livro - passou a estar relacionada com as potenciais reacções ou pensamentos de Manuel Guerra. Assumo uma certa esquizofrenia, se se quiser: viver a vida do dia a dia e viver em paralelo com um personagem de ficção. Há algo de estranho nisto. Depois de ter terminado o livro, levei muito tempo a libertar-me de Manuel Guerra. Passei uma temporada longa sem escrever nada de novo. Não queria, não quero, que esta personagem contamine as restantes que possam existir no futuro.

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