sexta-feira, 6 de março de 2009

Figueira da Foz, 5 de Março

O convite partiu do gentil Domingos Silva, director do Casino da Figueira e, só por isso, a Inês Pedrosa e eu rumámos à Figueira da Foz. Os meus filhos perguntaram,no gozo:
Vais à praia?

A Inês apresentou no Casino o livro "No Silêncio de Deus" com a generosidade que lhe conhecemos e depois a conversa descambou para outras coisas. Como nos conhecemos, porque somos amigas há vinte anos, porque odeio provérbios de modo (palavras que mentem), o que Inês pensou aos 15 anos quando teve um acidente de automóvel (história que eu roubei e coloquei no Silêncio de Deus).
Rimos muito e trataram-nos muito bem. Na viagem de regresso, continuámos na conversa. Eu já tinha ido à Marinha Grande nesse dia, a Inês tinha dormido três horas, mas mesmo assim a cada passo encontrámos mais uma história, uma partilha. Não podia ter sido melhor.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Crítica Urbano Tavares Rodrigues em leitur@gulbenkian

Romance fascinante, de extrema habilidade na construção e na escrita e muito rico na criação das personagens, da sua interioridade. Denso e original.
Duas vidas se cruzam por duas vezes, a da jornalista, Sara, à procura do mundo e de si e excelente no seu trabalho de descoberta dos outros, e o escritor Manuel Guerra, que ela entrevista em Lisboa e reencontra mas tarde, já canceroso, em Amesterdão. Primeiro o duelo de palavras e atitudes, da segunda vez a compreensão dele, reconfortante.
Num longo flash-bak Sara remomora para Manuel a sua visita a Israel, às suas raízes e é uma visão fina e profunda do país de Ben Gurion em guerra permanente, das suas muito diversas gentes e locais desde o muro das lamentações e à Via Sacra, ao mar Morto, aos montes Golan. Retratos de impressionante veracidade, juízos de uma europeia progressista de origem judaica, episódios de viagem, nostalgias, remorso. Quase uma descarga psicanalítica, com a “absolvição” afectuosa do escritor.
Nessa altura já Manuel Guerra está a morrer lentamente, a deixar-se morrer, em Amesterdão e também ele, em várias e doloridas analepses, invoca sua mulher falecida, que tanto o amou, Ana Luísa, e seu filho Rodrigo, que se afastou de um pai, ausente na sua escrita em todas as circunstâncias. E é então que o talento de Patrícia Reis nos descreve a existência insólita do ex-escritor, agora incógnito espectador da vida que decorre na zona de prostituição de Amesterdão, entre os amigos dos seus últimos dias, Martina, uma prostituta inteligente e generosa que o apoia, um barman excêntrico, a sua empregada africana, um médico homeopata. E o final do romance é subitamente um esplendor.
Urbano Tavares Rodrigues, 2008

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Crítica de Miguel Real no JL, última edição de 2008

INUTILIDADE E ETERNIDADE DA ARTE

A leitura do romance No Silêncio de Deus, de Patrícia Reis, enfatiza a clássica convicção de que a arte, se pode garantir a eternidade, não salva ou redime a vida.

Narração de duas vidas paralelas, a de uma jornalista em busca das suas raízes e a de um escritor consagrado amaciando o momento da morte, controlando a irrupção desta após a morte da mulher e, no último momento, não resistindo à explosão da doença que o vitimará, acolhendo a morte de boa mente, o romance de Patrícia Reis, extremamente bem escrito, é composto por um conjunto de pequenos parágrafos descritivos, cada um focalizado num acontecimento da intriga ou numa qualidade das personagens. Intervalado por diálogos grafados em itálico (com utilização do discurso directo, mas sem a respectiva sinaléctica), a narração, propositadamente, faz muito lentamente avançar a acção, ou, melhor, a acção avança, mas a história narrada – unidade da acção -não parece que avança.

Com efeito, parte integrante do estilo de Patrícia Reis, No Silêncio de Deus evolui em pequeníssimos círculos nos quais tudo vai acontecendo, embora, de intriga vazia ou bloqueada, nada pareça que acontece. Porventura, o melhor exemplo do estilo de Patrícia Reis é-nos dado, neste romance, pelo almoço entre as duas personagens principais. Com efeito, ao longo deste almoço, preenchendo várias dezenas de páginas, nada acontece de importante e, no entanto, tudo acontece: a solidão de ambas as personagens, a insatisfação de ambos face à vida própria, o desenraizamento social, a luta quase neurótica contra a infelicidade e o fracasso na vida, a interrogação sobre o corpo, a sua beleza e a sua decadência mortal, a fruição angustiante da liberdade individual, sobretudo se afirmada contra a mentalidade colectiva de rebanho e a consciencialização do absurdo da existência face à inevitabilidade igualizante e nadificante da morte. Deste modo, fazendo jus ao seu estilo, grande parte do romance de Patrícia Reis consiste na descrição de acontecimentos da vida quotidiana de quase nula importância (a escolha do menu, os turistas sentados em mesa próxima, os conselhos do empregado…), que nada acrescentam à acção do romance. No entanto, este nada narrativo estatui-se – de certo modo – como a marca narrativa de Patrícia Reis, isto é, a marca da sua singularidade estética no seio do romance português do princípio do século XXI.

Assim, No Silêncio de Deus prima, primeiro, por uma cuidadosa atenção ao pormenor do quotidiano; segundo, por um cruzamento da primeira característica com uma rarificação de acontecimentos – páginas sucedem-se a páginas em que nada acontece (uma raridade altamente positiva no campo da narrativa, actualmente abundante de romances com mil e uma peripécias – imitação servil e destemperada da telenovela ou da série televisiva); em terceiro lugar, compensando a segunda característica, a narração de três ou quatro situações humanas extremas: o escritor e a mulher morrem de cancro, o pai da jornalista morre de cancro, o escritor decide "controlar" a sua morte fora do seu país e fora da medicina convencional, a jornalista busca as suas raízes judaicas em Israel.

No Silêncio de Deus tematiza claramente a questão da inutilidade da arte como instrumento de salvação do autor ou do artista. A personagem escritor, de corpo a padecer de um cancro, salva-se pela arte, expressa nos seus livros; ela, a jornalista, tenta salvar-se pela incorporação na sua personalidade das raízes familiares judaicas; ambos consciencializam que a rotina da vida quotidiana, o trabalho, o casamento, a vida em família, os pequenos gestos, os lances da vida, pouco contribuem para a salvação da vida de cada homem. A conclusão é categórica: não existe redenção para o homem. Por este motivo (quase brutal), No Silêncio de Deus é um romance triste. Guerra (em Israel) e paz (em Portugal) equivalem-se pelo absurdo a que a morte condena a existência. Porventura, apenas a arte garante a eternidade. Porém, em vida, a arte evidencia-se inútil como instrumento de salvação. Em vida, útil apenas o valor da amizade. O Escritor deixa-se morrer pagando com amizade a generosidade dos seus novos e exóticos amigos de Amsterdão; a jornalista – judia – entrega-se ao prazer sexual de circunstância com um árabe na última noite em Israel. Ambos se sabem condenados ao irrefragável domínio do nada: o esquecimento; a jornalista, rapidamente; o escritor consagrado, lentamente, numa luta hercúlea entre a Obra e o tempo. Neste sentido, para a jornalista, só o Nada é eterno; para o escritor, só a Arte é eterna. Sobre ambos, sobre a utilidade e inutilidade da vida quotidiana, paira, soberano e ameaçante, o juízo de Deus (ou da História, ou do Tempo), que, no entanto, apenas se pode experimentar pela sua ausência, isto é, pelo seu silêncio.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

a confusão

Aconteceu de forma inesperada. O leitor perguntava pelo conflito israelo-árabe e sobre a minha experiência em Israel. Falámos de humanismo, de história, de ideia de pertencer a um sítio e do holocausto. De repente, peguei no livro e disse:

- Há aqui uma passagem num campo de concentração em que um dos personagens manda um sms a relatar a experiência de viver esse contra-monumento, para usar as palavras de Vergílio Ferreira...

Com o Silêncio de Deus nas mãos percebi de imediato que estava completamente errada. Referia-me a uma passagem do novo livro. Fiquei perplexa e, ao mesmo tempo, compreendi que este livro que ainda é novo para os leitores já está arrumado na minha cabeça. Estou a escrever algo distinto, longe da temática do Silêncio de Deus, um livro novo. E um livro novo é uma interrogação, como o são todos os romances. Será um livro? Conseguirei chegar ao fim? Qual é exactamente a história? Não sei. Ainda não sei.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Café Literário na Covilhão

Fiz-me à estrada com o Manuel Diogo e o António, os jograis da sessão. Conversámos sobre tudo, discutimos política e ideias, apurando princípios que se resumem na filiação no Belenenses. Na Covilhã, ao frio, perto da esplanada, Manuel Silva Ramos esperava-nos contente por nos receber, curioso e sempre conversador. Jantámos bem, rindo e maldizendo como é próprio destas coisas. A sessão começou assim que o jogo do Sporting terminou. O Café estava composto, cerca de 30 pessoas, dirão mais tarde. Manuel da Silva Ramos leu um texto sobre o livro No Silêncio de Deus. Foi de uma generosidade imensa, falou de maturidade, citou diferentes passagens do livro, compilou ideias sobre a santidade e a prostituição. No Café estava o prior, mas ninguém levantou pestana. Os jograis leram admiravelmente. Não reconheci os meus personagens. Já não são meus. A conversa animou-se e seguiu até tarde. Não me lembro do tempo passar. Rimos e conversámos. Falámos de livros e de processos de escrita. E ainda do conflito israelo-árabe, de Deus e do estado do mundo. Falámos de Inês Pedrosa, de Lídia Jorge, de Agustina Bessa-Luís, de Maria Velho da Costa. Foi bom, muito bom. Um homem alto e esguio, não terá mais de 40 anos, levantou-se para dizer da sua paixão pela Inês. Rimos e aplaudimos. É bom que gostem dos nossos amigos. No regresso, a estrada estava vazia e sossegada. Lisboa recebeu-me num imenso silêncio.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Café Literário na Covilhão

É já no próximo dia 9 de Dezembro, pelas 21h30, na covilhã, num café no centro a descobrir.

domingo, 23 de novembro de 2008

Martina

Foi uma aventura em Amesterdão. O Ricardo Adolfo fez de cicerone. O meu marido andou às voltas até encontrar o hotel onde Chet Baker se suicidou. As putas nas montras eram loiras, morenas, gordas e magras. O porteiro da sex shop tinha um ar simpático e o brown café onde nos sentámos disponha de uma juke box. Foi aí que surgiu Martina, a prostituta que salva Manuel Guerra, que lhe devolve a bondade e um certo sentido de humanidade, de se ser da forma correcta. Martina é um misto de coisas e de pessoas. A viagem a Amesterdão foi essencial para decidir que ali Manuel Guerra estaria em casa. Nunca lá tinha estado. Dois anos antes, Agustina Bessa-Luís e Inês Pedrosa tinham o projecto de visitar a cidade para ver a Ronda Noite, quadro que serviu de pretexto ao último romance de Agustina. Era suposto ir também, numa trindade de portugalidade que se adivinhava cómica e enriquecedora. Não chegámos a ir. Agustina adoeceu entretanto e, talvez por isso, Manuel Guerra fale dela e do quadro. Martina gosta de Rembrandt mas não tem qualquer fascínio especial pela Ronda da Noite. Manuel Guerra regressa ao museu e compra-lhe um casa de cartão a imitar as casa de oitocentos. Ter um amigo é construir uma casa. O pai de Sara diz-lhe isso uma vez. Manuel Guerra é quem acaba por valorizar o sentido da amizade, esse sentimento transformador e extraordinário.